Detestava o entardecer. Havia se decidido assim, de sopetão. Nunca mais acharia graça em ver o sol se por. Trancava-se em casa, e de lá só saia quando a próxima manhã, alta, já se avistava. A quem lhe perguntava, com ares de muchocho respondia: E qual é a graça de ficar esperando o sol se despedir?
Dentro de si, no entanto, sabia que o problema não era com o final do dia. O que lhe incomodava, a ponto de doer-lhe os dentes, era a solidão que a Noite lhe trazia.
Não tinha sido assim desde o início. Lembrava-se de admirar o cair da tarde, ansiosa pelo encontro. Sua amiga vinha sempre ricamente vestida. Na cabeça, um véu negro, pontilhado e iluminado. A Noite. Certeira, não falhava, era o motivo de sua alegria.
E a amizade a preenchia, a comovia. Dera à Noite toda a sua adoração. Debaixo da lua contava seus segredos mais íntimos a uma companheira que sempre soubera guardá-los. E quantos conselhos, atenta, ouviu da Noite? Uma infinidade, tão incontáveis como as estrelas cadentes do céu...
À medida que foi crescendo, a menina percebeu que dentro de si havia um pequeno relógio, um instrumento de percursão aventureiro. Perguntando à Noite para que isso servia, recebeu dela a seguinte resposta: no tempo certo, saberás...
E, numa noite bonita, tão clara que dia parecia, um par de olhos cruzaram os seus. Negros e brilhantes, como se a Noite tivesse mergulhado para dentro do dono dos olhos. E o bumbo, que batia em seu peito, cruzou a avenida atravessando o compasso.
A menina, enfeitiçada, esqueceu-se da Noite, e a esse rapaz dedicou todo seu amor. Deixou de confiar a sua amiga os seus segredos. Suas fraquezas foram expostas, seus anseios dispostos. A Noite, sabendo que seus conselhos não adiantariam, encolheu-se, quieta, e passou a velar a sua amiga à distância, sem todavia, abandoná-la. Ficou por perto, mas longe o bastante...
Inevitavelmente fizeram-se promessas. Leva-me, disse ela. Levo, ele respondeu. E numa noite bem clara, com a lua cheia marcada, planejaram sua partida.
A moça, tão feliz, não percebeu quando os segundos transformaram-se em minutos. Mas, aflita, dava-se conta que os minutos amontoavam-se e passavam a ser horas. A noite inteira ela esperou. E esperou. E esperou... adormeceu, sentada sobre a mala, num sereno fino e gelado. Como companhia, apenas a Noite, sua fiel escudeira.
Acordada pelo sol, entendeu o que se passara. Abandonada, mergulhou numa tristeza danada. Dessas que não tem fundo, não tem fim. Tentaram de tudo, mas nada deu resultado.
Tempos depois, ferida e magoada, olhou a face da Noite e declarou: Não somos mais amigas. Rompo contigo, pois os olhos que me enganaram refletiam a tua imagem. Deixaste vir a mim o doce amor, apenas para me servir o prato amargo da solidão.Não houve quem mudasse seus sentimentos. Não houve argumento possível e impossível da Noite que a demovesse de tal desvairio. Separaram-se em definitivo: a menina e a Noite, cada qual em seu caminho.
A vida, no entanto, é feita de ciclos, de recomeços. E, gaiata que só, monta pequenas armadilhas para nos surpreender. Pois foi num entardecer daqueles, com o céu a flamejar, que a moça, cabisbaixa, cruzou o olhar com um alvo sorriso.
Indecisa, chegou a procurar sobre os ombros se alguém mais havia, mas, se aquietou quando percebeu que sim, eram somente a ela que as intenções estavam voltadas. Sorriu de volta. Podia sentir o bumbo bater de novo em seu peito, acelerado, mas, dessa vez, ritmado, corando a sua face.
Foi quando olhou para o alto. Na luz ofuscada do longínquo sol, uma Noite encabulada acendia suas estrelas mais viçosas, pedindo, à sua mais dedicada amiga, perdão. A moça, repleta do sentimento de compaixão, acenou à Noite - mas quem retribuiu o aceno foi o moço, entusiasmado..."
Conto: Deia
Ilustração: Veloso
"Da admiração mútua nasceu a vontade de um trabalho em conjunto. "Eu topo", disse Deia, "mas com uma condição: a ilustração para o meu conto precisa levar a sua assinatura!".Imagens enviadas... "É essa!" Tenho um texto inédito, esperando uma imagem que o complementasse, casou-se com perfeição com a ilustração!
E desse casamento, surgiu o post de hoje. Ao resultado de nosso empenho, demos o nome de "4 mãos". Pois foi assim que nos sentimos: construindo um presente em parceria! O presenteado? Vocês, que colorem nossos blogs com todo o carinho que transborda de seus comentários!
Hoje, nossos blogs são como um casal enamorado: cada um exibindo, com orgulho, a graça do seu amado! Agora é só seguir Rumo à Escrita e descobrir o prazer de caminhar com a Deia! Rumo à escrita !
Um beijo!"
22 comentários:
Veloso, hoje nossos blogs acordaram afinados - espelhos, refletindo a admiracão e respeito que fomos construindo ao longo do nosso convívio. Foi, sim, um passo enorme na direção de uma amizade que já era esboçada, mas agora adquire contornos definidos, bem marcados. Assim como são os traços dos seus personagens por quem sinto tanto carinho!
Obrigada, meu novo irmão, pelo convite carinhoso, pela disposição no trabalho em conjunto, e pelo orgulho de deixar um pedaço seu, fincado, eternamente, lá no Rumo. Eu, de cá, fico emocionada por ver uma história minha (não uma qualquer, mas uma das minhas "meninas") para sempre aqui no seu Baú!
Um beijo fraterno, Deia.
Oies, Veloso!
Ótimo conto da sua amiga Deia... Fui olhar o blog dela, e achei incrível! Já virei fã! XD
Obrigada! Fico muito feliz por gostar de Crônicas de um Suicida! (a maioria acha mórbido demais... Rsrsrsr).
Aguardarei ansiona a volta dos morceguinhos!
Um beijo e ótima semana.
Olá Veloso!
Venho parabenizá-lo juntamente com Déia pelo ótimo trabalho em conjunto aqui exposto! Sintonia fina e sensibilidade aguçada, adorei, viu?!
Abraço fra-terno!
Tô com inveja hahaha
Fiz a maior confusão.
Fiquei tão tomada pela beleza da postagem...
Adorei
Obrigada pelo presente.
beijos
Olá Veloso, hoje a Deia me relembrou do Baú, já estava seguidora, só que por vezes nem sempre lembramos, são tantos os espaços dos quais gostamos e acabamos por estar mais presentes nuns que noutros. Mas hoje cá estou!
Li com muita atenção o conto e gostei, pela simplicidade da narrativa, pelo encanto do conto em si, e a ilustração do Veloso, que combina muito bem! Sem dúvida esta postagem em conjunto e parceria, trás valor acrescentado. Parabéns.
Beijinhos
OI,
Creio que a graça de se esperar o sol se despedir é, justamente, criar no coração um desejo veemente do novo amanhecer... novos ideias... novos horizontes...
Que tenha muita harmonia com seu Dom da escrita com vem demonstrando ter...
Aliando-se aos bons serão dois deles...
Abraços fraternais e serenidade de expressão
Parabéns!
Oi, olha eu aqui de novo! Parabenizo por postar uma bom conto. bom de ler e fácil de compreender, a Dea está tambem de pararabéns.
PS: Estou com dificuldades de abrir alguns site e blogs já a alguns dias, hoje por ex: estou muna lan, estamos tentando resolver o ploblema, desculpas pela demora de acesso.
Abraço
Veloso,
estou passando pra te agradecer a visita,a junção do conto e da imagem ficaram perfeitos, deixo-lhe um abraço carinhoso.Saúde,paz,e alegria
Boas energias,
Mari
E o que eu disse pra Deia, repito pra vc: o casamento ficou perfeito!
Parabéns a vocês dois!
Queremos mais!
Beijão, Veloso!
Li o texto lá e vim conhecer aqui!
BJs.
Parabens
bjs
Insana
Já estive no blogue da Déia lhe dando os parabéns e agora, cá estou conhecendo o Baú. Faço votos de que a união caminhe sempre com a boa tônica do ínicio! Sucesso!
Bons presságios! Veja as letrinhas de identificação
Que lindo essa dupla , conto e imagem. A Deia é perfeita ,adoro tudo que ela escreve e voce Veloso incorrígivel , bem humorado e ótimo nas tirinhas.
Parabéns e sucesso
com abraços
Veloso
Eu adoro ler o que Dea escreve e agora ver seu desenho me empolgou mais ainda.
Deram se as mãos conto e ilustração
Com carinho MOnica
Ggracias por visitar el oscuro desván de mi memoria.
Saludos, tus palabras también son hermosas.
Quando duas mãos artisticas se encontram, o casamento só pode ser perfeito. Uma excelente mistura. Carinhosamente Óleo.
Veloso
Que história linda e quando cheguei ao final e vi que existe essa união de trabalhos que se afinaram aí é que voltei a reler e agrandeza e beleza transbordaram.
Parabéns a você e a Deia.
Beijos e bom domingo
Querido Veloso o que encanta neste encontro é saber que a tua imagem reflete o que tá contido no texto. E o brilho deste sol refletindo dentro da casa, o que é senão a Luz, a esperança que as coisa muda por mais escuro que esteja. Amei demais a sua image, e já havia comentado com a Deia que lhe achava um artista, e ela me disse que vc é, tem outros trabalhos além do desenho, por isso artista Veloso eu te aplaudo com muita admiração. Espero poder um dia ser agraciado com a sua arte como a Deia foi. Abçs.
Veloso, querido ..
amei essa seqüência da Lady Garça ..
vc revela o quanto um personagem depende - além da capacidade de criar-desenhar de seu autor - do seu argumento ...
quanta criatividade com as mesmas imagens ... ao mesmo tempo, afirmo o contrário ...as palavras ajudam no todo, mas metade do que é transmitido,
o é através da imagem .. e sem um bom argumento, as imagens também falariam .. mas ficam bilhões de vezes mais expressivas e abrangentes com um bom argumento ...
é muito interessante ...
parabéns pela Lady Garça .. mais feminina, impossível ...
bjos
P.S.
pq as imagens dos teus seguidores estão assim? diz uma coisa, o gadget de seguidores é do google friends ou é um desses gadgets do próprio blog? Faz diferença .. o melçhor é ir na sua conta do google, em goofle friends e criar lá um gadget de seguidores, ai vc abrange os perfis do blogger e os da google ...
Bem, não sei se é isso, mas me aconteceu algo parecido e eu resolvi assim ...já que blogger e g. friend têm perfis diferentes, apesar de ser da mesma conta de email ...
bem .. falei bastante, para variar ..
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